terça-feira, 23 de maio de 2017

Dever de casa: mocinho ou vilão?






O dever de casa, para muitas famílias, é um indicativo de que a escola é forte ou fraca. Como pedagoga eu discordo. Como mãe também.  Como pedagoga eu posso emitir meu parecer. Como mãe, só a minha opinião mesmo. Como pedagoga eu oriento sempre que o dever de casa precisa ser simples a ponto de a criança conseguir fazer sozinha (evitando que os adultos façam por ela); e possa resgatar um pouco do que foi trabalhado em aula, fortalecendo o elo escola/família.  Sei que o dever de casa é o momento que os pais tiram para participar da vida escolar dos filhos. Muitas crianças não têm nenhuma atenção por parte dos que cuidam delas, às vezes o dever de casa ou o compromisso de estudar para as provas é o único momento em que os adultos se voltam para ela. O responsável se sente obrigado a dar atenção ao filho. Talvez por isso muitas mães e pais sintam tanta falta do dever de casa.
Como professora eu não costumava passar dever de casa para os meus alunos, a não ser que fosse para trazer alguma informação ou material que fôssemos usar na sala de aula.  Eu não costumava passar, mas às vezes enviava para casa alguns exercícios de Matemática, leituras a fim de se preparar para uma apresentação... Era sempre algo que continuaria na sala de aula.  A tarefa  era sempre o primeiro passo de uma atividade coletiva. Se eu pretendia propor a escrita de um texto sobre determinado assunto, solicitava que trouxessem reportagens ou livros que tivessem em casa sobre o assunto. Se eu pretendia fazer uma receita, pedia que trouxessem os ingredientes.  Se eu pretendia  conversar sobre as famílias eu sugeria que fizessem entrevistas ou trouxessem fotos e outros objetos pessoais...
Minhas filhas também trazem alguns deveres muito legais, que eu nem chamaria de deveres e sim de prazeres de casa, emprestando as palavras do meu amigo escritor Márcio Vassallo.  Um desses prazeres  é o diário. O diário é um projeto da escola, mas sempre foi também um projeto de casa, um prazer de casa.  Outro dia chegou um bem interessante:  elas  tinham  que fazer uma entrevista comigo. Foi um movimento intenso, eu não sabia bem onde nos levaria.  Tomei  um susto quando vi que a entrevista tinha virado uma biografia minha escrita a quatro mãos. Ficou incrível, um texto emocionante e verdadeiro. Ísis completou o trabalho desenhando meu retrato em forma de anjo. Amei.
 Na maioria das escolas o dever de casa costuma assumir duas funções: a de forçar uma participação dos responsáveis na vida escolar da criança e fixar o que foi trabalhado em aula. Depende, é claro,  da proposta pedagógica da instituição.  Não gosto muito dessas duas palavras:  forçar e fixar. Elas não têm coerência com a minha proposta de trabalho. Forçar não faz sentido em nenhuma circunstância. Fixar só  faz sentido se o foco for a memorização e não a construção do conhecimento.  Se como professora eu já não costumo passar dever de casa, como mãe eu posso dizer que às vezes ele é uma pedra no nosso sapato. Aqui em casa fazemos muitas atividades quando estamos juntos.  Elas jogam xadrez entre si e com pai (eu nunca consegui aprender,  diga-se de passagem),  veem filmes nada comerciais, leem muito, fazem resenhas para o canal literário que elas têm no YouTube,  visitam a biblioteca perto de casa, produzem textos utilizando o aplicativo de notas do celular, pesquisam assuntos sobre os quais têm curiosidade na internet, escrevem em cartas para parentes  e amigos próximos  (que realmente seguem pelo correio), constroem brinquedos a partir de sucata, fazem trabalhos artísticos com diferentes materiais... As atividades muitas vezes são tão ricas e criativas que eu fico com pena de pedir para que elas interrompam o que estão fazendo para iniciar um dever de casa ou estudar a matéria da prova. Sei que essa não é a realidade da maioria das famílias. Agora mesmo elas estão jogando um jogo de trilha de perguntas e respostas de Ciências, História,  Geografia, Esportes, Artes... Ainda bem que hoje não tem dever de casa. Não preciso interromper a partida de xadrez, não preciso pedir que elas guardem o jogo de perguntas e respostas e muito menos que larguem pelo meio uma história que elas decidiram  inventar.
Não quero aqui colocar o dever de casa como o mocinho ou vilão, mas não custa pensar um pouco sobre ele e sobre as nossas escolhas enquanto responsáveis por uma criança em formação.  A interação entre os membros de uma família deve ser prioridade.
Termino este texto e Laís me chama querendo dividir comigo a leitura de um livro. Dá pra recusar?


terça-feira, 16 de maio de 2017

"O Mundo inteiro" na palma da sua mão!

Em época de smartphones e tablets, observar o mundo à nossa volta é coisa cada vez mais rara. Intensamente conectados com o virtual, mal conversamos pessoalmente com nossos próprios amigos, e o que dirá dispor de alguns míseros minutos para apreciar o ruído da chuva ou andar descalço na grama! É algo impensável! E quando temos a oportunidade de ter em mãos um livro como O Mundo Inteiro, de Liz Garton Scanlon, é que nos damos conta de que não enxergamos a vida que se manifesta, o tempo todo, à nossa volta. E aí, compreendemos, com certo espanto, o quanto é divertido viver nesse mundo imenso e rico de detalhes que se apresenta, naturalmente, no agora, independente de nossa vontade ou percepção.As ilustrações são fabulosas, cheias de movimento, traços e cores. A obra faz parte da coleção Itaú de Livros Infantis.

Quer saber mais?

- http://www.lizgartonscanlon.com/
- http://www.marlafrazee.com

Andreia Marques é escritora, ilustradora e designer gráfica.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Ainda escrevemos cartas?


Outro dia estávamos no consultório e vimos uma revista com uma reportagem sobre pessoas que ainda se correspondiam por carta.  Eu sempre gostei de cartas. Para ler, para escrever... Contei pra Laís  que trocava cartas com minha madrinha de coração, a tia Glória, durante toda a minha infância  e até há bem pouco tempo, com meu amigo João Ximenes. Ela se animou a escrever. Já escreveu cartas para três pessoas. Fui ensinando a preencher o envelope, a deixar espaço para o selo, a importância da letra bem legível... Cada vez mais me surpreendo não com o talento, mas com a vocação dela para escrever. E tenho mais certeza do valor do exemplo. Pode até ser que a sociedade não dê  a mínima para a literatura, e daí? Por aqui se dá valor e se briga todos os dias por um espaço para divulgar e valorizar a poesia que brota dos terrenos mais inférteis. Carregar água na peneira, eis a nossa sina.


sábado, 14 de janeiro de 2017

Quem vai acreditar que existe um elefante entalado na minha janela?

Que tal se deparar com um elefante indiano, de 5 toneladas, tentando entrar em sua casa, pela janela? Foi o que aconteceu no livro O Elefante Entalado, de Alonso Alvarez. Na história, um menino chamado Luís, que morava no décimo terceiro andar de um prédio, foi surpreendido por um elefante “engasgado” na janela de seu quarto. O grande personagem acabou ficando metade para dentro e metade para fora, completamente entalado e correndo o risco de despencar prédio abaixo. E, mesmo que o pobre elefante e o menino Luís tentassem, de várias formas, fazer com que escorregasse para dentro do quarto, não conseguiram mover seu corpo robusto um centímetro sequer. Preocupado, Luís decidiu pedir ajuda. Primeiro, desceu o prédio e tentou na rua, sem sucesso. Cada um dos que olhavam pra cima, e via o grande traseiro suspenso, pensava algo diferente e não dava crédito ao menino, que resolveu pedir auxílio nos apartamentos do próprio prédio, batendo de porta em porta. Mas, novamente, ninguém lhe deu ouvidos, acreditando se tratar, apenas, de uma fantasia pueril. Os diálogos são bem engraçados e as ilustrações, todas digitais, simulam várias técnicas como recortes, traços e processos tradicionais de pintura, como aquarela.  É um livro de história cativante, uma fábula urbana, que faz a gente rever o mundo sob a ótica de uma criança e repensar a respeito do quanto a sabedoria infantil é capaz de nos ensinar e inspirar sempre.


Andreia Marques é escritora e designer.